Traduções
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Piedra negra sobre una piedra blanca
Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en París -y no me corro-
tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.
Jueves será, porque hoy, jueves, que proso
estos versos, los húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi camino, a verme solo.
César Vallejo ha muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro
también con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminos...
* * *
Pedra negra sobre uma pedra branca
Morrerei em Paris com aguaceiro
num dia do qual já tenho memória.
Morrerei em Paris - e não me apresso -
talvez numa quinta, como hoje, no outono.
Será quinta-feira, porque hoje, quinta, proso
estes versos, os úmeros em pouca sorte
os larguei e, nunca como hoje, eu voltei,
com todo o meu caminho, a me ver tão só.
César Vallejo está morto, o surraram todos
sem que ele lhes fizesse nada;
bateram forte com um pau e duro
também com uma corda; são testemunhas
as quintas-feiras, os ossos úmeros,
a solidão, a chuva, os caminhos...
Piedra negra sobre una piedra blanca
Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en París -y no me corro-
tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.
Jueves será, porque hoy, jueves, que proso
estos versos, los húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi camino, a verme solo.
César Vallejo ha muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro
también con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminos...
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Mais uma tradução de poema de Gary Snyder.
As for poets
The Earth Poets
Who write small poems,
Need help from no man.
The Air Poets
Play out the swiftest gales
And sometimes loll in the eddies.
Poem after poem,
Curling back on the same thrust.
At fifty below
Fuel oil won't flow
And propane stays in the tank.
Fire Poets
Burn at absolute zero
Fossil love pumped backup
The first
Water Poet
Stayed down six years.
He was covered with seaweed.
The life in his poem
Left millions of tiny
Different tracks
Criss-crossing through the mud.
With the Sun and Moon
In his belly,
The Space Poet
Sleeps.
No end to the sky-
But his poems,
Like wild geese,
Fly off the edge.
A Mind Poet
Stays in the house.
The house is empty
And it has no walls.
The poem
Is seen from all sides,
Everywhere,
At once.
Gary Snyder, "As for Poets” from Turtle Island, New York: New Directions Publishing Corporation, 1975.
Quanto aos Poetas
Os Poetas da Terra
Que escrevem poemas curtos,
Não necessitam da ajuda de ninguém.
Os Poetas do Ar
Divertem-se nos vendavais mais velozes
No meio de redemoinhos.
Poema após poema,
Giram no mesmo impulso,
A menos cinquenta graus
O óleo combustível não flui
E o propano permanece no tanque.
Poetas do Fogo
Ardem no zero absoluto
Amor fóssil restaurado.
O primeiro
Poeta da Água
Ficou seis anos submerso.
Coberto de algas marinhas.
A vida em seu poema
Deixou milhões de pegadas
Distintas e minúsculas
Entrelaçando-se na lama.
Com o sol e a lua
no ventre,
O Poeta do Espaço
Dorme.
O céu não tem fim –
Mas seus poemas,
Como gansos selvagens,
Voam além dos limites.
Um Poeta da Mente
Permanece em casa.
A casa está vazia
E não tem paredes.
O poema
Pode ser visto de todos os lados,
Em todas as partes,
A qualquer momento.
Mais uma tradução de poema de Gary Snyder.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Nessa terça chuvosa, resolvi também traduzir um pequeno poema de Gary Snyder.
How poetry comes to me
It comes blundering over the
Boulders at night, it stays
Frightened outside the
Range of my campfire
I go to meet it at the
Edge of the light
* * *
Como a poesia chega a mim
Ela vem cambaleando sobre os
Seixos à noite, fica
Receosa fora do
Raio da minha fogueira
Vou ao seu encontro na
Orla da luz
In SNYDER, Gary. No Nature: New and Selected Poems. Pantheon, 1991.
Nessa terça chuvosa, resolvi também traduzir um pequeno poema de Gary Snyder.
How poetry comes to me
It comes blundering over the
Boulders at night, it stays
Frightened outside the
Range of my campfire
I go to meet it at the
Edge of the light
* * *
* * *
Como a poesia chega a mim
Ela vem cambaleando sobre os
Seixos à noite, fica
Receosa fora do
Raio da minha fogueira
Vou ao seu encontro na
Orla da luz
In SNYDER, Gary. No Nature: New and Selected Poems. Pantheon, 1991.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Quinta-feira magra, apenas esse nanoexercício tradutório de Leopoldo María Panero.
Ars Magna
O que é a magia, perguntas
em uma casa às escuras.
O que é o nada, perguntas,
ao sair da casa.
E o que é um homem voltando do nada
ao entrar sozinho na casa.
Ars Magna
Qué es la magia, preguntas
en una habitación a oscuras.
Qué es la nada, preguntas,
saliendo de la habitación.
Y qué es un hombre saliendo de la nada
y volviendo solo a la habitación.
In "Poesía", 1970 – 1985
Quinta-feira magra, apenas esse nanoexercício tradutório de Leopoldo María Panero.
Ars Magna
O que é a magia, perguntas
em uma casa às escuras.
O que é o nada, perguntas,
ao sair da casa.
E o que é um homem voltando do nada
ao entrar sozinho na casa.
Ars Magna
Qué es la magia, preguntas
en una habitación a oscuras.
Qué es la nada, preguntas,
saliendo de la habitación.
Y qué es un hombre saliendo de la nada
y volviendo solo a la habitación.
In "Poesía", 1970 – 1985
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Susana Thénon
Nombres
En la desolación de mi sangre,
bajo la angustia que me enceguece
yo busco nombres para mi amor:
mi amor casi odio,
apenas sol.
S. Thénon. La morada imposible. Buenos Aires: Ediciones Corregidor, 2001.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Nomes
Na desolação do meu sangue,
sob a angústia que me cega
procuro nomes para meu amor:
meu amor quase ódio,
apenas sol.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Robert Creeley
Pequeno exercício tradutório
Os carteiros desonestos
Eles tomam todas as minhas cartas
e colocam-nas no fogo.
Eu vejo as chamas, etc.
Mas não ligo, etc.
Eles queimam tudo que eu tenho, ou o pouco
que tenho. Não ligo, etc.
O poema supremo, destinado ao
vazio — esta é a coragem
absoluta. Isso é algo
muito diferente.
* * *
The dishonest mailmen
They are taking all my letters, and they
put them into a fire.
I see the flames, etc.
But do not care, etc.
They burn everything I have, or what little
I have. I don’t care, etc.
The poem supreme, addressed to
emptiness –this is the courage
necessary. This is something
quite different.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Robert Creeley
Mais um exercício tradutório.
Autorretrato
Ele quer ser
um velho brutal,
um velho agressivo,
tão insuportável, tão selvagem
quanto o vazio que o rodeia,
Ele não aceita compromissos,
nem quer ser agradável
com ninguém. Somente ruim,
inflexível em sua brutal
e completa rejeição a tudo.
Tentou o suave,
o amável, o “oh,
vamos nos dar as mãos”
e foi terrível,
enfadonho, brutalmente inconsequente.
Agora ele se apoiará
sobre suas próprias pernas decadentes.
Seus braços, sua pele
encolhem-se dia a dia.
E ele ama e odeia por igual.
* * *
Self-Portrait
He wants to be
a brutal old man,
an aggressive old man,
as dull, as brutal
as the emptiness around him,
He doesn’t want compromise,
nor to be ever nice
to anyone. Just mean,
and final in his brutal,
his total, rejection of it all.
He tried the sweet,
the gentle, the “oh,
let’s hold hands together”
and it was awful,
dull, brutally inconsequential.
Now he’ll stand on
his own dwindling legs.
His arms, his skin,
shrink daily. And
he loves, but hates equally.
Referência:
CREELEY, Robert. Self-portrait. In: __________. Selected poems: 1945-2005. Edited by Benjamin Friedlander. Berkeley and Los Angeles, CA: University of California Press, 2008. p. 203.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Charles Simic
Mais um exercício tradutório.
O patrão contrata
Quero um homem que não tenha nada a ganhar.
Quero que o seu ritmo diga: não tenho mais nada a perder.
Quero ver de suas mãos;
que ele não se importa com as horas,
que ele seguirá no seu posto, que o salário nunca será justo.
* * *
The boss hires
I want a man who has nothing to gain.
I want his pace to say: nothing more is to be lost.
I want to see from his hands;
That he shall not mind the hours,
that he shall stay on, that the pay will never be just.
Mais um exercício tradutório.
* * *
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Marosa di Giorgio (Uruguay, 1932-2004). Desde 1978 se radicó en Montevideo donde inició su carrera poética en 1954 con su obra Poemas. Su ascendencia italiana y vasca la convirtió en una poeta singular, cuya obra respondió siempre a las exigencias de su mundo interior, donde la naturaleza, la magia, la mitología y el misterio, se conviertieron en importantes protagonistas. El conjunto de su obra, reunida en Los papeles salvajes, se amplió con dos volúmenes que incluyeron La liebre de marzo, Mesa de esmeralda, La falena, Membrillo de Lusana y Diamelas de Clementina Médici. Sus poemas y relatos fueron traducidos al inglés, francés, portugués e italiano. Recibió importantes distinciones entre las que se destacan la Beca Fullbright y el Primer Premio del Festival Internacional de Poesía de Medellín en 2001.
Mi alma es un vampiro grueso, granate, aterciopelado. Se
alimenta de muchas especies y de sólo una. Las busca en la
noche, la encuentra, y se la bebe, gota a gota, rubí por rubí.
Mi alma tiene miedo y tiene audacia. Es una muñeca grande,
con rizos, vestido celeste.
Un picaflor le trabaja el sexo.
Ella brama y llora.
Y el pájaro no se detiene.
In Los papeles salvajes, 1971.
* * *
Minha alma é um vampiro grosso, cor de romã e aveludado. Se
alimenta de muitas espécies e somente de uma. Abate-as na
noite, se a encontra, bebe gota a gota, rubi por rubi.
Minha alma tem medo e tem audácia. É uma grande boneca
com cachos, vestido azul.
Um beija-flor brinca no sexo.
Ela berra e chora.
E o pássaro não se detém.
* A tradução é minha.
alimenta de muchas especies y de sólo una. Las busca en la
noche, la encuentra, y se la bebe, gota a gota, rubí por rubí.
Mi alma tiene miedo y tiene audacia. Es una muñeca grande,
con rizos, vestido celeste.
Un picaflor le trabaja el sexo.
Ella brama y llora.
Y el pájaro no se detiene.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
William Carlos Williams
Landscape with the Fall of Icarus
According to Brueghel
when Icarus fell
it was spring
a farmer was ploughing
his field
the whole pageantry
of the year was
awake tingling
near
the edge of the sea
concerned
with itself
sweating in the sun
that melted
the wings’ wax
unsignificantly
off the coast
there was
a splash quite unnoticed
this was
Icarus drowning
From Collected Poems: 1939-1962, Volume II by William Carlos Williams,
* * *
Paisagem com a queda de Ícaro
Segundo Brueghel
quando Ícaro caiu
era primavera
um fazendeiro arava
seu campo
com toda pompa
da estação
que despertava
intensa
bem perto
à beira-mar
absorto
em si mesmo
suando ao sol
que derretia
a cera das asas
inexpressivo
próximo à costa
houve
um baque
imperceptível
era Ìcaro
que se afogava
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Anise Koltz
Anise Koltz nasceu em 1928, em Eich, Luxembourg, onde vive até hoje. Foi uma das fundadoras da Academia Europeia de Poesia, da qual é atualmente a vice-presidente, pertence ao Pen Club da Bélgica, à Academia Mallarmé de París e ao Institut Grand-Ducal dês Artes et Lettres. Apesar de mais de vinte livros publicados, nenhum deles foi lançado no Brasil Ganhou diversos prêmios, como o Blaise Cendrars (1991), o Grand Prix de Littérature française hors de France (1994), o Batty Weber, o Prix National de Littérature - Luxembourg (1996) e o Prix Apollinaire (1998).
POEMAS
Em um coração
cada pedaço está dedicado
a um deus diferente.
Aprendo suas ladainhas
e lhes arremesso incenso
Ninguém o preocupa
A terra gira e zumbe
como um inseto monstruoso
* * *
Me calo
meus poemas
armazenados em silos
apodrecem
A planta dos meus pés
não lança raízes
* * *
Peixes abissais
as frases morrem
quando sobem
à superfície
* * *
Me revolto
meu coração golpeia
o interior do meu corpo
como sapatos
de milhares de manifestantes
Deus está do lado
dos vencedores
seus anjos planam no céu
com os abutres
* * *
Marcher
sans rien atteindre
jusqu’à devenir chemin
Andar
sem chegar a nada
até converter-se em caminho
Anise Koltz nasceu em 1928, em Eich, Luxembourg, onde vive até hoje. Foi uma das fundadoras da Academia Europeia de Poesia, da qual é atualmente a vice-presidente, pertence ao Pen Club da Bélgica, à Academia Mallarmé de París e ao Institut Grand-Ducal dês Artes et Lettres. Apesar de mais de vinte livros publicados, nenhum deles foi lançado no Brasil Ganhou diversos prêmios, como o Blaise Cendrars (1991), o Grand Prix de Littérature française hors de France (1994), o Batty Weber, o Prix National de Littérature - Luxembourg (1996) e o Prix Apollinaire (1998).
POEMAS
Em um coração
Aprendo suas ladainhas
Peixes abissais
Me revolto
* * *
Marcher
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Doris Lessing
Talvez porque hoje é sábado, talvez porque chove lá fora, ou, quem sabe?, porque fui o garoto que ficou do lado de fora da janela, todo molhado, olhando fascinado para a menina descuidadamente sonhadora no salão de Doris Lessing. Por isso ou por aquilo tentei traduzir este poema.
Fábula
Quando olho para trás me parece recordar o canto,
embora sempre houvesse silêncio naquele largo e cálido salão.
Impenetráveis, essas paredes, acreditávamos,
escuras como escudos antigos. A luz
brilhava na cabeça ou nas pernas esparramadas
com indolência por uma menina. E as vozes baixas
subiam no silêncio a se perder como a água.
Assim, tudo era manso e morno como uma mão,
se algum de nós corresse as cortinas
uma chuva espiralada soprava lá fora com descuido.
Às vezes serpenteava um vento que fazia dançar as chamas
e um jogo de sombras deslizava pelas paredes,
ou uivava um lobo lá fora na noite vasta,
e ao sentir nossa carne gelada nos colávamos.
Mas a dança continuou por um tempo
— assim me parece agora:
formas lentas que se moviam com vagar através
de charcos de luz como uma rede dourada no chão.
Assim deve ter prosseguido para sempre como um sonho.
Mas entre um ano e o próximo - um vento novo soprou?
A chuva apodreceu as paredes finalmente?
Os focinhos dos lobos vieram empurrar os raios caídos?
Isso foi há muito tempo,
mas às vezes me lembro do salão cortinado
e ouço vozes jovens e distantes cantando.
* * *
Fable
When I look back I seem to remember singing.
Yet it was always silent in that long warm room.
Impenetrable, those walls, we thought,
Dark with ancient shields. The light
Shone on the head of a girl or young limbs
Spread carelessly. And the low voices
Rose in the silence and were lost as in water.
Yet, for all it was quiet and warm as a hand,
If one of us drew the curtains
A threaded rain blew carelessly outside.
Sometimes a wind crept, swaying the flames,
And set shadows crouching on the walls,
Or a wolf howled in the wide night outside,
And feeling our flesh chilled we drew together.
But for a while the dance went on –
That is how it seems to me now:
Slow forms moving calm through
Pools of light like gold net on the floor.
It might have gone on, dream-like, for ever.
But between one year and the next – a new wind blew?
The rain rotted the walls at last?
Wolves’ snouts came thrusting at the fallen beams?
It is so long ago.
But sometimes I remember the curtained room
And hear the far-off youthful voices singing.. Por isso ou por aquilo tentei traduzir este poema.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Talvez porque hoje é sábado, talvez porque chove lá fora, ou, quem sabe?, porque fui o garoto que ficou do lado de fora da janela, todo molhado, olhando fascinado para a menina descuidadamente sonhadora no salão de Doris Lessing. Por isso ou por aquilo tentei traduzir este poema.
Fábula
Quando olho para trás me parece recordar o canto,
embora sempre houvesse silêncio naquele largo e cálido salão.
Impenetráveis, essas paredes, acreditávamos,
escuras como escudos antigos. A luz
brilhava na cabeça ou nas pernas esparramadas
com indolência por uma menina. E as vozes baixas
subiam no silêncio a se perder como a água.
Assim, tudo era manso e morno como uma mão,
se algum de nós corresse as cortinas
uma chuva espiralada soprava lá fora com descuido.
Às vezes serpenteava um vento que fazia dançar as chamas
e um jogo de sombras deslizava pelas paredes,
ou uivava um lobo lá fora na noite vasta,
e ao sentir nossa carne gelada nos colávamos.
Mas a dança continuou por um tempo
— assim me parece agora:
formas lentas que se moviam com vagar através
de charcos de luz como uma rede dourada no chão.
Assim deve ter prosseguido para sempre como um sonho.
Mas entre um ano e o próximo - um vento novo soprou?
A chuva apodreceu as paredes finalmente?
Os focinhos dos lobos vieram empurrar os raios caídos?
Isso foi há muito tempo,
mas às vezes me lembro do salão cortinado
e ouço vozes jovens e distantes cantando.
* * *
Fable
When I look back I seem to remember singing.
Yet it was always silent in that long warm room.
Impenetrable, those walls, we thought,
Dark with ancient shields. The light
Shone on the head of a girl or young limbs
Spread carelessly. And the low voices
Rose in the silence and were lost as in water.
Yet, for all it was quiet and warm as a hand,
If one of us drew the curtains
A threaded rain blew carelessly outside.
Sometimes a wind crept, swaying the flames,
And set shadows crouching on the walls,
Or a wolf howled in the wide night outside,
And feeling our flesh chilled we drew together.
But for a while the dance went on –
That is how it seems to me now:
Slow forms moving calm through
Pools of light like gold net on the floor.
It might have gone on, dream-like, for ever.
But between one year and the next – a new wind blew?
The rain rotted the walls at last?
Wolves’ snouts came thrusting at the fallen beams?
It is so long ago.
But sometimes I remember the curtained room
When I look back I seem to remember singing.
Yet it was always silent in that long warm room.
Impenetrable, those walls, we thought,
Dark with ancient shields. The light
Shone on the head of a girl or young limbs
Spread carelessly. And the low voices
Rose in the silence and were lost as in water.
Yet, for all it was quiet and warm as a hand,
If one of us drew the curtains
A threaded rain blew carelessly outside.
Sometimes a wind crept, swaying the flames,
And set shadows crouching on the walls,
Or a wolf howled in the wide night outside,
And feeling our flesh chilled we drew together.
But for a while the dance went on –
That is how it seems to me now:
Slow forms moving calm through
Pools of light like gold net on the floor.
It might have gone on, dream-like, for ever.
But between one year and the next – a new wind blew?
The rain rotted the walls at last?
Wolves’ snouts came thrusting at the fallen beams?
It is so long ago.
But sometimes I remember the curtained room
And hear the far-off youthful voices singing.. Por isso ou por aquilo tentei traduzir este poema.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Laura Riding
Mais um exercício tradutório sem qualquer pretensão, apenas uma forma de estudar um poema em língua alheia.
Incarnations
Do not deny,
Do not deny, thing out of thing.
Do not deny in the new vanity
The old, original dust.
From what grave, what past of flesh and bone
Dreaming, dreaming I lie
Under the fortunate curse,
Bewitched, alive, forgetting the first stuff. . .
Death does not give a moment to remember in.
Lest, like a statue’s too transmuted stone,
I grain by grain recall the original dust
And, looking down a stair of memory, keep saying:
This was never I.
Encarnações
Não negar,
Não negar, coisa gerada de coisa.
Não negar nessa vaidade nova
O velho pó original.
De que sepulcro, de que passado de carne e osso
Sonhando, sonhando me reclino
Sob maldição afortunada,
Enfeitiçada, viva, esquecendo a primeira matéria..
A morte não concede um momento para lembrar
A fim de que, como pedra de estátua muito alterada,
Eu pouco a pouco recorde o pó original
E, olhando do último degrau da memória, repita:
Eu nunca fui isso.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Mais um exercício tradutório sem qualquer pretensão, apenas uma forma de estudar um poema em língua alheia.
Incarnations
Do not deny,
Do not deny, thing out of thing.
Do not deny in the new vanity
The old, original dust.
Do not deny, thing out of thing.
Do not deny in the new vanity
The old, original dust.
From what grave, what past of flesh and bone
Dreaming, dreaming I lie
Under the fortunate curse,
Bewitched, alive, forgetting the first stuff. . .
Death does not give a moment to remember in.
Dreaming, dreaming I lie
Under the fortunate curse,
Bewitched, alive, forgetting the first stuff. . .
Death does not give a moment to remember in.
Lest, like a statue’s too transmuted stone,
I grain by grain recall the original dust
And, looking down a stair of memory, keep saying:
This was never I.
I grain by grain recall the original dust
And, looking down a stair of memory, keep saying:
This was never I.
Encarnações
Não negar,
Não negar, coisa gerada de coisa.
Não negar nessa vaidade nova
O velho pó original.
De que sepulcro, de que passado de carne e osso
Sonhando, sonhando me reclino
Sob maldição afortunada,
Enfeitiçada, viva, esquecendo a primeira matéria..
A morte não concede um momento para lembrar
A fim de que, como pedra de estátua muito alterada,
Eu pouco a pouco recorde o pó original
E, olhando do último degrau da memória, repita:
Eu nunca fui isso.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Charles Baudelaire
La destruction
Sans cesse à mes côtés s'agite le Démon;
II nage autour de moi comme un air impalpable;
Je l'avale et le sens qui brûle mon poumon
Et l'emplit d'un désir éternel et coupable.
Parfois il prend, sachant mon grand amour de l'Art,
La forme de la plus séduisante des femmes,
Et, sous de spécieux prétextes de cafard,
Accoutume ma lèvre à des philtres infâmes.
Il me conduit ainsi, loin du regard de Dieu,
Haletant et brisé de fatigue, au milieu
Des plaines de l'Ennui, profondes et désertes,
Et jette dans mes yeux pleins de confusion
Des vêtements souillés, des blessures ouvertes,
Et l'appareil sanglant de la Destruction!
* * * * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
A destruição
A meu lado, o Demônio, sem pausa, se move;
circula ao meu redor leve, de ar impalpável;
trago-o e logo sinto fogo em meus pulmões
abertos a desejo eterno e condenável.
Às vezes, ao ver o amor que a Arte desperta,
Assume a forma de mulher em modo pleno,
E, valendo-se de falsa palavra aberta,
Acostuma meus lábios a infame veneno.
Arrasta-me para longe do olhar de Deus,
Ofegante, fatigado, os escombros meus
nas terras do Tédio, profundas e desertas.
Lança nos olhos tomados por confusão
Vestes sujas, infectas, feridas abertas,
E a engrenagem sangrenta da Destruição!
Je l'avale et le sens qui brûle mon poumon
Et l'emplit d'un désir éternel et coupable.
Parfois il prend, sachant mon grand amour de l'Art,
La forme de la plus séduisante des femmes,
Et, sous de spécieux prétextes de cafard,
Accoutume ma lèvre à des philtres infâmes.
Il me conduit ainsi, loin du regard de Dieu,
Haletant et brisé de fatigue, au milieu
Des plaines de l'Ennui, profondes et désertes,
Et jette dans mes yeux pleins de confusion
Des vêtements souillés, des blessures ouvertes,
Et l'appareil sanglant de la Destruction!
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
César Vallejo
Espergesia
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Todos saben que vivo,
que soy malo; y no saben
del diciembre de ese enero.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Hay un vacío
en mi aire metafísico
que nadie ha de palpar:
el claustro de un silencio
que habló a flor de fuego.
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Hermano, escucha, escucha...
Bueno. Y que no me vaya
sin llevar diciembres,
sin dejar eneros.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Todos saben que vivo,
que mastico... Y no saben
por quê en mi verso chirrían,
oscuro sinsabor de féretro,
luyidos vientos
desenroscados de la Esfinge
preguntona del Desierto.
Todos saben... Y no saben
que la Luz es tísica,
y la Sombra gorda...
Y no saben que el Misterio sintetiza...
que él es la joroba
musical y triste que a distancia denuncia
el paso meridiano de Ias lindes a las Lindes,
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo,
grave.
In Los Heraldos Negros, 1919.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Espergesia *
Eu nasci num dia
em que Deus ficou enfermo.
Todos sabem que vivo,
que sou mau; e não sabem
desse dezembro em janeiro.
Pois eu nasci num dia em
que Deus ficou enfermo.
Há um vazio
em meu ar metafísico
que ninguém pode tocar:
o claustro de um silêncio
que falou à flor de fogo.
Eu nasci num dia
em que Deus ficou enfermo.
Irmão, escuta, escuta...
Bem. Que não me vá embora
sem levar dezembros,
sem deixar janeiros.
Pois eu nasci num dia
em que Deus ficou enfermo.
Todos sabem que vivo,
que mastigo... E não sabem
por que em meu verso rangem,
escuro dissabor de féretro,
ventos carrancudos
desenroscados da Esfinge
inquisidora do Deserto.
Todos sabem... E não sabem
que a Luz é tísica,
e a Sombra é gorda
E não sabem que o Mistério sintetiza...
que ele é a corcova
musical e triste que denuncia a distância
o passo meridiano dos limites aos Limites.
Eu nasci um dia
que Deus ficou enfermo,
grave.
(Tradução minha)
* Sobre a origem da palavra “espergesia” não há consenso. Muitos afirmam que se trata de palavra inventada por César Vallejo, reunindo os termos “esperma” e “gênesis”, hipótese que me parece a mais provável. Outros acreditam que condense as ideias de “esperança” e “gênesis”. Há, ainda, quem afirme ser um arcaísmo, mas nunca consegui saber em que dicionário encontrá-la.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Espergesia *
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Derek Walcott
Um dos grandes poetas caribenhos, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1992, Derek Walcott, morreu em sua aos 87 anos, em sua ilha natal, em 17/03/2017.
Poeta, dramaturgo e ensaísta, nasceu em 1930, em Castries, na ilha de Santa Lucia. Formou-se na Universidade das Índias Ocidentais, na Jamaica, e em 1957 obteve uma bolsa para estudar teatro nos Estados Unidos. Viveu em Londres e em Trinidad. Durante alguns anos dividiu seu tempo entre a ilha de Santa Lucia e os Estados Unidos, onde lecionou nas Universidade de Harvard e de Boston até se aposentar.
No Brasil, que eu saiba, só temos um livro dele, Omeros, publicado pela Companhia das Letras, em 2011.
Sea Grapes *
That sail which leans on light,
tired of islands,
a schooner beating up the Caribbean
for home, could be Odysseus,
home-bound on the Aegean;
that father and husband's
longing, under gnarled sour grapes, is
like the adulterer hearing Nausicaa's name
in every gull's outcry.
This brings nobody peace. The ancient war
between obsession and responsibility
will never finish and has been the same
for the sea-wanderer or the one on shore
now wriggling on his sandals to walk home,
since Troy sighed its last flame,
and the blind giant's boulder heaved the trough
from whose groundswell the great hexameters come
to the conclusions of exhausted surf.
The classics can console. But not enough.
In Collected poems, 1948-1984
* Referência a um tipo de uva natural do Caribe de gosto particularmente amargo e azedo.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Uvas marinhas
Essa vela que se inclina para a luz,
cansada de ilhas,
uma escuna navegando no Caribe
rumo a casa, poderia ser Ulisses,
atravessando o Egeu,
esse pai e marido
ansioso, sob acres uvas amassadas, é como
o adúltero que ouve o nome de Nausícaa
em cada grasnido de gaivota.
Isto não acalma ninguém. A velha guerra
entre o dever e a obsessão jamais
terminará, sempre tem sido a mesma
para o navegante ou para o homem que na costa
agora arrasta as sandálias de volta ao lar,
depois de Troia expirar sua última chama,
e a rocha do gigante cego ter levantado a onda
de onde vêm os grandes hexâmetros
a fim de cessar a rebentação exausta.
Os clássicos podem nos consolar. Mas não o bastante.
Um dos grandes poetas caribenhos, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1992, Derek Walcott, morreu em sua aos 87 anos, em sua ilha natal, em 17/03/2017.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Uvas marinhas
Essa vela que se inclina para a luz,
cansada de ilhas,
uma escuna navegando no Caribe
rumo a casa, poderia ser Ulisses,
atravessando o Egeu,
esse pai e marido
ansioso, sob acres uvas amassadas, é como
o adúltero que ouve o nome de Nausícaa
em cada grasnido de gaivota.
Isto não acalma ninguém. A velha guerra
entre o dever e a obsessão jamais
terminará, sempre tem sido a mesma
para o navegante ou para o homem que na costa
agora arrasta as sandálias de volta ao lar,
depois de Troia expirar sua última chama,
e a rocha do gigante cego ter levantado a onda
de onde vêm os grandes hexâmetros
a fim de cessar a rebentação exausta.
Os clássicos podem nos consolar. Mas não o bastante.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Charles Simic
Minha vagabundagem poética me arrastou a um dos hotéis de Charles Simic.
Hotel Insomnia
I liked my little hole,
Its window facing a brick wall.
Next door there was a piano.
A few evenings a month
a crippled old man came to play
"My Blue Heaven."
Mostly, though, it was quiet.
Each room with its spider in heavy overcoat
Catching his fly with a web
Of cigarette smoke and revery.
So dark,
I could not see my face in the shaving mirror.
At 5 A.M. the sound of bare feet upstairs.
The "Gypsy" fortuneteller,
Whose storefront is on the corner,
Going to pee after a night of love.
Once, too, the sound of a child sobbing.
So near it was, I thought
For a moment, I was sobbing myself.
In Hotel Insomnia, 1992.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Hotel Insônia
Acomodado em meu canto,
a janela frente a parede de tijolinhos,
próximo à porta havia um piano.
Algumas noites ao mês
um velho inválido vinha tocar
“My Blue Heaven”.
Mas, geralmente, era tranquilo.
Cada quarto com aranha em grosso sobretudo
caçando mosca com uma rede
de fumaça e fantasia.
Tão escuro
Que não podia ver meu rosto no espelho.
Às 5:00 h, acima, o ruído de pés descalços.
A “Cigana” leitora do destino,
cujo ponto era na esquina,
se levantava para mijar depois de uma noite de amor.
Certa vez, também, o choro de uma criança
soou tão perto que pensei
que quem chorava era eu.
Minha vagabundagem poética me arrastou a um dos hotéis de Charles Simic.
Hotel Insomnia
I liked my little hole,
Its window facing a brick wall.
Next door there was a piano.
A few evenings a month
a crippled old man came to play
"My Blue Heaven."
Mostly, though, it was quiet.
Each room with its spider in heavy overcoat
Catching his fly with a web
Of cigarette smoke and revery.
So dark,
I could not see my face in the shaving mirror.
At 5 A.M. the sound of bare feet upstairs.
The "Gypsy" fortuneteller,
Whose storefront is on the corner,
Going to pee after a night of love.
Once, too, the sound of a child sobbing.
So near it was, I thought
For a moment, I was sobbing myself.
I liked my little hole,
Its window facing a brick wall.
Next door there was a piano.
A few evenings a month
a crippled old man came to play
"My Blue Heaven."
Mostly, though, it was quiet.
Each room with its spider in heavy overcoat
Catching his fly with a web
Of cigarette smoke and revery.
So dark,
I could not see my face in the shaving mirror.
At 5 A.M. the sound of bare feet upstairs.
The "Gypsy" fortuneteller,
Whose storefront is on the corner,
Going to pee after a night of love.
Once, too, the sound of a child sobbing.
So near it was, I thought
For a moment, I was sobbing myself.
In Hotel Insomnia, 1992.
Tradução de José Antônio Cavalcanti
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Leonor Silvestri
Gravura do século XIXAdicionar legenda
Leonor Silvestri, poeta anarquista argentina, por Florencia Arriola: “Supo ser especialista en filología antigua y, aunque ha vivido muchas muertes en su existencia, hoy se dedica a dar clases en su casa como una sofista en la antigüedad. Poco humana y radical, deconstructora del amor romántico y destructora de la heteronorma, Leonor Silvestri hace poesía, escribe, practica deportes de combate y baila dancehall y reggaeton. Así es como se empodera y se reinventa, mientras busca nuevas formas de afectación más potentes que dejen a un lado el heterocapitalismo”.
Praticamente desconhecida por aqui, espero ajudar a divulgá-la com essa suposta tradução.
Pentesilea
Demasiado buena para ser mujer
Demasiado hábil
Demasiado diestra
Ay, Demasiado Demasiado.
Ese arco
Esa flecha
que se clava
que se clava bien adentro
Mío
en el momento de tu morte,
Pentesilea.
Debo matarte para que no te mueras.
Debo matarte para poder hacerte mía.
¿Acaso querrías de otra forma compartir conmigo tu cuerpo de guerrera virginal?
Lo lamento, Pentesilea:
La épica no escribe de mujeres que amam a mujeres.
Te veo caer
Como una pluma
liviana tu gracia de golondrina
Herida
Moribunda
Agonizante.
Aun asi te resistirás
como el león Penélope sitiado por los pretendientes.
Tendré que tomarte por la fuerza
como se toma todo en la guerra
como se toma a las mujeres.
¿No lo sabés acaso, Pentesilea?:
Serás mia
aunque deba matarte.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Pentesileia
Demasiadamente boa para ser mulher
Demasiadamente hábil
Demasiadamente correta
Ai, demasiadamente demasiadamente.
Esse arco
Essa flecha
que se crava
que se crava bem dentro
de mim
no momento de tua morte,
Pentesileia.
Devo te matar para que não morras
Devo te matar para que sejas minha.
Acaso gostarias, de algum modo, de dividir comigo teu corpo de virgem guerreira?
Lamento muito, Pentesileia.
A épica não escreve sobre mulheres que amaram outras mulheres.
Te vejo cair
como pena
leve de tua graça de andorinha
ferida
moribunda
agonizante
Mesmo assim resistirás
como o leão Penélope sitiado por pretendentes.
Terei que te tomar à força
como se toma tudo na guerra
como se tomam as mulheres.
Ainda não sabes, Pentesileia?
Serás minha.
Leonor Silvestri, poeta anarquista argentina, por Florencia Arriola: “Supo ser especialista en filología antigua y, aunque ha vivido muchas muertes en su existencia, hoy se dedica a dar clases en su casa como una sofista en la antigüedad. Poco humana y radical, deconstructora del amor romántico y destructora de la heteronorma, Leonor Silvestri hace poesía, escribe, practica deportes de combate y baila dancehall y reggaeton. Así es como se empodera y se reinventa, mientras busca nuevas formas de afectación más potentes que dejen a un lado el heterocapitalismo”.
Pentesilea
Tradução de José Antônio Cavalcanti
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Poema de Aimé Césaire
Soleil serpent
Soleil serpent œil fascinant mon œil
et la mer pouilleuse d’îles craquant aux doigts des roses
lance-flamme et mon corps intact de foudroyé
l’eau exhausse les carcasses de lumière perdues dans le couloir sans pompe
des tourbillons de glaçons auréolent le cœur fumant des
corbeaux
nos cœurs
c’est la voix des foudres apprivoisées tournant sur leurs
gonds de lézarde
transmission d’anolis au paysage de verres cassés c’est
les fleurs vampires à la relève des orchidées
élixir du feu central
feu juste feu manguier de nuit couvert d’abeilles mon
désir un hasard de tigres surpris aux soufres mais l’éveil
stanneux se dore des gisements enfantins
et mon corps de galet mangeant poisson mangeant
colombes et sommeils
le sucre du mot Brésil au fond du marécage.
In Les armes miraculeuses
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Soleil serpent œil fascinant mon œil
et la mer pouilleuse d’îles craquant aux doigts des roses
lance-flamme et mon corps intact de foudroyé
l’eau exhausse les carcasses de lumière perdues dans le couloir sans pompe
des tourbillons de glaçons auréolent le cœur fumant des
corbeaux
nos cœurs
c’est la voix des foudres apprivoisées tournant sur leurs
gonds de lézarde
transmission d’anolis au paysage de verres cassés c’est
les fleurs vampires à la relève des orchidées
élixir du feu central
feu juste feu manguier de nuit couvert d’abeilles mon
désir un hasard de tigres surpris aux soufres mais l’éveil
stanneux se dore des gisements enfantins
et mon corps de galet mangeant poisson mangeant
colombes et sommeils
le sucre du mot Brésil au fond du marécage.
et la mer pouilleuse d’îles craquant aux doigts des roses
lance-flamme et mon corps intact de foudroyé
l’eau exhausse les carcasses de lumière perdues dans le couloir sans pompe
des tourbillons de glaçons auréolent le cœur fumant des
corbeaux
nos cœurs
c’est la voix des foudres apprivoisées tournant sur leurs
gonds de lézarde
transmission d’anolis au paysage de verres cassés c’est
les fleurs vampires à la relève des orchidées
élixir du feu central
feu juste feu manguier de nuit couvert d’abeilles mon
désir un hasard de tigres surpris aux soufres mais l’éveil
stanneux se dore des gisements enfantins
et mon corps de galet mangeant poisson mangeant
colombes et sommeils
le sucre du mot Brésil au fond du marécage.
In Les armes miraculeuses
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Sol serpente
Sol serpente olho a fascinar o meu olho
e o mar piolhento de ilhas explodindo nos dedos de rosas
lança-chamas e o meus corpo intacto de aniquilado
a água exalta as carcaças de luz perdidas na garganta sem pompa
turbilhões de gelo coroam o coração enfumaçado dos corvos
nossos corações
é a voz de raios domados a girar sobre seus gonzos de lagarto
transmissão de sáurios* à paisagem de vidros quebrados são
as flores vampiras no lugar de orquídeas
elixir do fogo central
fogo justo fogo mangueira de noite coberta de abelhas meu
desejo um acaso de tigres surpresos nos enxofres mas o despertar
estanhoso revela jazidas infantis
e o meu corpo de seixo comendo peixe comendo
pombas e sonos
o açúcar da palavra Brasil no fundo do charco
* No original, “anolis” – um gênero de lagartos comum às florestas tropicais da América Central.
Sol serpente
Sol serpente olho a fascinar o meu olho
e o mar piolhento de ilhas explodindo nos dedos de rosas
lança-chamas e o meus corpo intacto de aniquilado
a água exalta as carcaças de luz perdidas na garganta sem pompa
turbilhões de gelo coroam o coração enfumaçado dos corvos
nossos corações
é a voz de raios domados a girar sobre seus gonzos de lagarto
transmissão de sáurios* à paisagem de vidros quebrados são
as flores vampiras no lugar de orquídeas
elixir do fogo central
fogo justo fogo mangueira de noite coberta de abelhas meu
desejo um acaso de tigres surpresos nos enxofres mas o despertar
estanhoso revela jazidas infantis
e o meu corpo de seixo comendo peixe comendo
pombas e sonos
o açúcar da palavra Brasil no fundo do charco
* No original, “anolis” – um gênero de lagartos comum às florestas tropicais da América Central.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Massacre in Korea, Pablo Picasso, 1951
Entre autres massacres
De toutes leurs forces le soleil et la lune s’entrechoquent
les étoiles tombent comme des témoins trop mûrs
et comme une portée de souris grises
ne crains rien apprête tes grosses eaux
qui si bien emportent la berge des miroirs
ils ont mis de la boue sur mes yeux
et vois je vois terriblement je vois
de toutes les montagnes de toutes les îles
il ne reste plus rien que les quelques mauvais chicots
de l’impénitente salive de la mer
In Soleil cou coupé, 1948.
Entre outros massacres
com todas as forças o sol e a lua se entrechocam
as estrelas caem como testemunhas muito maduras
e como uma ninhada de ratos cinzentos
não tema nada prepara as tuas águas pesadas
que tomam sem resistência a borda dos espelhos
passaram lama nos meus olhos
e veja eu vejo terrivelmente eu vejo
de todas as montanhas de todas as ilhas
não resta mais nada a não ser alguns resíduos ruins
da impenitente saliva do mar
les étoiles tombent comme des témoins trop mûrs
et comme une portée de souris grises
qui si bien emportent la berge des miroirs
et vois je vois terriblement je vois
de toutes les montagnes de toutes les îles
il ne reste plus rien que les quelques mauvais chicots
de l’impénitente salive de la mer
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Aimé Césaire (1913-2003)
Blues de la pluie
Aguacero
beau musicien
au pied d’um arbre dévetu
parmi les harmonies perdues
près des nos mémoires défaites
parmi nos mains de défaite
et des peuples de force étrange
nous laissons pender nos yeaux
et natale
dénouant la longe d’une douleur
nous pleurions.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Blues da chuva
Aguaceiro
belo músico
aos pés de uma árvore desnuda
entre as harmonias perdidas
colado às nossas memórias desfeitas
entre nossas mãos de derrota
e povos de força estranha
deixamos despencar nossos olhos
e nascente
desfazendo a corda de uma dor
soluçamos.
Aguacero
beau musicien
au pied d’um arbre dévetu
parmi les harmonies perdues
près des nos mémoires défaites
parmi nos mains de défaite
et des peuples de force étrange
nous laissons pender nos yeaux
et natale
dénouant la longe d’une douleur
nous pleurions.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
belo músico
aos pés de uma árvore desnuda
entre as harmonias perdidas
colado às nossas memórias desfeitas
entre nossas mãos de derrota
e povos de força estranha
deixamos despencar nossos olhos
e nascente
desfazendo a corda de uma dor
soluçamos.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Adrienne Rich
What Kind of Times Are These
There’s a place between two stands of trees where the grass grows uphill
and the old revolutionary road breaks off into shadows
near a meeting-house abandoned by the persecuted
who disappeared into those shadows.
I’ve walked there picking mushrooms at the edge of dread, but don’t be fooled
this isn’t a Russian poem, this is not somewhere else but here,
our country moving closer to its own truth and dread,
its own ways of making people disappear.
I won’t tell you where the place is, the dark mesh of the woods
meeting the unmarked strip of light—
ghost-ridden crossroads, leafmold paradise:
I know already who wants to buy it, sell it, make it disappear.
And I won’t tell you where it is, so why do I tell you
anything? Because you still listen, because in times like these
to have you listen at all, it’s necessary
to talk about trees.
* * *
Que tempos são estes?
Há um lugar entre fileiras de árvores onde a grama cresce morro acima
e o velho caminho da revolução se desfaz entre sombras
próximo a uma casa de reuniões abandonada pelos perseguidos
que desapareceram nessas sombras.
Andei por lá colhendo cogumelos no fio do espanto, porém não te enganes
este não é outro poema russo, este não é qualquer outro lugar, é aqui,
nosso país aproximando-se de sua própria verdade e espanto,
de seu modo particular de desaparecer as pessoas.
Não vou te dizer onde fica esse lugar, a trama obscura da mata
se encontra com franja sem marca de luz —
encruzilhadas mal assombradas, paraísos de folhas mortas
já sei quem deseja comprá-lo, vendê-lo, fazê-lo desaparecer.
E não vou te dizer onde fica. Para que te digo isso, então?
Porque você ainda ouve, porque em tempos como estes
ter alguém à escuta é tudo, é necessário
falar sobre árvores.
What Kind of Times Are These
Que tempos são estes?
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Juan Luis Panero (1942-2013)
Espejo negro
Dos cuerpos que se acercan y crecen
y penetran en la noche de su piel y su sexo,
dos oscuridades enlazadas
que inventan en la sombra su origen y sus dioses,
que dan nombre, rostro a la soledad,
desafían a la muerte porque se saben muertos,
derrotan a la vida porque son su presencia.
Frente a la vida sí, frente a la muerte,
dos cuerpos imponen realidad a los gestos,
brazos, muslos, húmeda tierra,
viento de llamas, estanque de cenizas.
Frente a la vida sí, frente a la muerte,
dos cuerpos han conjurado tercamente al tiempo,
construyen la eternidad que se les niega,
sueñan para siempre el sueño que les sueña.
Su noche se repite en un espejo negro.
Espelho negro
Dois corpos que se abraçam e crescem
e penetram na noite de sua pele e seu sexo,
duas escuridões enlaçadas
que inventam na sombra a sua origem e os seus deuses,
que dão nome, rosto à solidão
desafiam a morte porque se sabem mortos,
derrotam a vida porque são sua presença.
Frente à vida sim, frente à morte,
dois corpos impõem realidade aos gestos,
braços, músculos, à terra úmida,
vento de chamas, tanque de cinzas.
Frente à vida sim, frente à morte,
dois corpo conspiram obstinadamente contra o tempo,
constroem a eternidade que se lhes nega,
sonham para sempre o sonho que os sonha.
Sua noite se replica num espelho negro.
In Desapariciones y fracasos, 1978
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
José Emilio Pacheco (1939-2014)
Contraelegía
Mi único tema es lo que ya no está
Y mi obsesión se llama lo perdido
Mi punzante estribillo es nunca más
Y sin embargo amo este cambio perpetuo
este variar segundo tras segundo
porque sin él lo que llamamos vida
sería de piedra.
Contraelegia
Meu único tema é aquele que já não está
e minha obsessão se chama o perdido.
Meu pungente refrão é nunca mais
e mesmo assim amo esta mudança perpétua
este variar segundo após segundo
porque sem ele o que chamamos vida
seria de pedra.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Anamaria Mayol
Deletrear
Deletreo
el nombre que me nombra
siento crujir el cuerpo
desde la infancia
deletreo
la palabra
útero
mitad costado
desencuentro
deletreo
identidad
esperma
mano izquierda
abandono
rastro en el vuelo
de los pájaros
signos gestos
que han de parir
para nacer la muerte
deletreo
tristeza
sobre las líneas de las manos
dibujo asimétricas letras
llevan los ojos
que parieron mis ojos
cuando aprendí
a deletrear
ausencia
* * *
Soletrar
Soletrar
o nome que me nomina
sinto o corpo tremer
desde a infância
soletro
a palavra
útero
metade costado
desencontro
soletro
identidade
esperma
mão esquerda
abandono
vestígio do voo
dos pássaros
signos gestos
que hão de parir
para que a morte nasça
soletro
tristeza
nas linhas das mãos
desenho letras assimétricas
levam os olhos
que pariram os meus olhos
quando aprendi
a soletrar
ausência
Deletreo
el nombre que me nombra
siento crujir el cuerpo
desde la infancia
deletreo
la palabra
útero
mitad costado
desencuentro
deletreo
identidad
esperma
mano izquierda
abandono
rastro en el vuelo
de los pájaros
signos gestos
que han de parir
para nacer la muerte
deletreo
tristeza
sobre las líneas de las manos
dibujo asimétricas letras
llevan los ojos
que parieron mis ojos
cuando aprendí
a deletrear
ausencia
* * *
Soletrar
Soletrar
o nome que me nomina
sinto o corpo tremer
desde a infância
soletro
a palavra
útero
metade costado
desencontro
soletro
identidade
esperma
mão esquerda
abandono
vestígio do voo
dos pássaros
signos gestos
que hão de parir
para que a morte nasça
soletro
tristeza
nas linhas das mãos
desenho letras assimétricas
levam os olhos
que pariram os meus olhos
quando aprendi
a soletrar
o nome que me nomina
sinto o corpo tremer
desde a infância
soletro
a palavra
útero
metade costado
desencontro
soletro
identidade
esperma
mão esquerda
abandono
vestígio do voo
dos pássaros
signos gestos
que hão de parir
para que a morte nasça
soletro
tristeza
nas linhas das mãos
desenho letras assimétricas
levam os olhos
que pariram os meus olhos
quando aprendi
a soletrar
ausência
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Gesshu Soko (Japão, 1618-1696)
Inspira, expira,
adiante, atrás,
vivendo, morrendo:
As flechas lançadas
voam umas contra as outras,
no ar se encontram e dividem
o vazio em sua volta.
Assim volto à origem.
Tradução de José Antônio Cavalcanti (a partir da tradução de Andrés Neuman para o espanhol)
Inspira, expira,
Tradução de José Antônio Cavalcanti (a partir da tradução de Andrés Neuman para o espanhol)
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Antonio Gamoneda
Incandescencia y ruinas
I
Yo invoco la cabeza
más sagrada que exista
debajo de la nieve.
Mi corazón azul
canta purificado por el silencio.
II
Vándalo de pureza,
hostígame. Si hablas,
yo bajaré mis labios
hasta el agua salvaje.
De aquella gruta donde
abrasa la frescura,
ha de surgir un rey
sucio de profecías.
Oh corazón que ves
en toda oscuridad,
cuándo estaremos ciegos
en luz, cuándo hablarás,
habitante del fuego.
III
Un perro milagroso
come en mi corazón.
Ceremonia salvaje:
mi dolor se incorpora
al perro enamorado.
IV
En la cavidad que sabes,
suena una voz. Lengua fría,
tú, que silbas en la noche,
metal vivo de palabras,
dime, loco ruiseñor
del invierno, dime, tú,
que quizá participas
de una materia luminosa,
a quién anuncias ya
además de a la muerte.
Na cavidade que sabes,
ecoa uma voz. Língua fria,
tu, que silvas na noite,
metal vivo de palavras,
dizei-me, louco rouxinol
do inverno, dizei-me, tu,
que talvez participes
de matéria luminosa,
a quem anuncias agora
a não ser a morte.
V
Anticanto de amor,
quién te beberá, quién
pondrá la boca en esta
espuma prohibida.
Quién, qué dios, qué
enloquecidas alas
podrán venir, amar
aquí.
Donde no hay nada.
Incandescência e ruínas
´
I
Invoco a cabeça
mais sagrada que exista
sob a neve.
Meu coração azul
canta purificado pelo silêncio.
II
Vândalo de pureza,
fustiga-me. Se falas,
baixarei meus lábios
até a água selvagem.
Da gruta onde
queima o frescor,
há de surgir um rei
sujo de profecias.
Oh coração que vês
em toda a escuridão,
quando estaremos cegos
na luz, quando falarás,
habitante do fogo.
III
Um cão milagroso
come em meu coração.
Cerimônia selvagem:
minha dor se incorpora
ao cão apaixonado.
IV
Na cavidade que conheces,
ecoa uma voz. Língua fria,
tu, que silvas na noite,
metal vivo de palavras,
dizei-me, louco rouxinol
do inverno, dizei-me, tu,
que talvez participes
de matéria luminosa,
a quem anuncias agora
a não ser a morte.
V
Anticanto de amor,
quem te beberá, quem
colocará a boca nesta
espuma proibida.
Quem, que deus, que
asas alucinadas
poderão vir, amar
aqui.
Onde não há nada.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Tristan Corbière
PAYSAGE MAUVAIS
PAYSAGE MAUVAIS
Sables de vieux os—Le flot râle
Des glas: crevant bruit sur bruit....
—Palud pâle, où la lune avale
De gros vers, pour passer la nuit.
—Calme de peste, où la fièvre
Cuit.... Le follet damné languit.
—Herbe puante où le lièvre
Est un sorcier poltron qui fuit....
—La Lavandière blanche étale
Des trépassés le linge sale,
Au soleil des loups....—Les crapauds.
Petits chantres mélancoliques
Empoisonnent de leurs coliques,
Les champignons, leurs escabeaux.
* * * *
Li as traduções de Augusto de Campos e Marcos Siscar. Resolvi aventurar a minha. Fugi ao octossílabo original, optando pelo eneassílabo.
PAISAGEM MÁ
Areias de antigos ossos, a onda
Em cólera, dobra-se ao açoite...
No pântano pálido, redonda
Lua devora vermes, à noite...
Calma de peste, onde alta febre
Queima... Um gênio louco se estiola.
- Erva fétida, fugidia lebre
Invoca um xamã frouxo e se evola...
A alva Lavadeira não se inibe,
A roupa suja da morte exibe
ao sol dos lobos... - Sapos singelos,
Pequenas criaturas melancólicas,
Contaminam com suas próprias cólicas
Chão de caracóis e cogumelos.
—Calme de peste, où la fièvre
—La Lavandière blanche étale
Petits chantres mélancoliques
* * * *
Li as traduções de Augusto de Campos e Marcos Siscar. Resolvi aventurar a minha. Fugi ao octossílabo original, optando pelo eneassílabo.
PAISAGEM MÁ
Areias de antigos ossos, a onda
Calma de peste, onde alta febre
A alva Lavadeira não se inibe,
Pequenas criaturas melancólicas,
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Damsi Figueroa
Damsi Figueroa é uma das voz mais potentes do Chile, país de riquíssima tradição poética. Arrisquei traduzi-la aqui.
Autorreconocimiento
Yo no soy la que se pierde
tan pronto como se la encuentra
El amor en mí no se toca
se escribe
Yo no soy piadosa con los hombres de poca fe
no intercambio los calzones con nadie
en cambio asumo la desvergüenza
de una desnudez colectiva
en una casa de playa
o en una playa a secas
Yo no escribo para nadie
aunque intente escapar
y evite sacarte al baile
Tus malabares y piruetas
siempre exigen un aplauso cerrado
es decir, una palabra
Yo no me complico la vida
omitiendo adverbios y conjunciones
Patino por la hoja
y tapo los surcos amargos
con la sangre de mis amigos
Yo no hago el amor
lo desarmo
por el puro gusto de volverlo a armar
una y otra vez
hasta tener sexo
para olvidarme del amor
y de todos ustedes.
* * *
Autoconhecimento
Eu não sou a que se perde
pouco depois de ser encontrada
Amor em mim não se encosta
se escreve
Não sou piedosa com os homens de pouca fé
não faço câmbio de calcinhas com ninguém
ao contrário, assumo o despudor
de uma nudez coletiva
numa casa de praia
ou numa praia desabitada
Eu não escrevo para ninguém
embora tente escapar
e evite chamá-lo para dançar
Os seus truques e malabarismos
sempre exigem aplausos intensos
ou seja, uma palavra
Eu não complico a minha vida
omitindo advérbios e conjunções
Deslizo na folha
e cubro os sulcos amargos
com o sangue dos amigos
Eu não faço o amor
o desarmo
pelo puro prazer de voltar a armá-lo
vez após vez
até chegar ao sexo
que me faça esquecer do amor
e de todos vocês.
Damsi Figueroa é uma das voz mais potentes do Chile, país de riquíssima tradição poética. Arrisquei traduzi-la aqui.
tan pronto como se la encuentra
El amor en mí no se toca
se escribe
Yo no soy piadosa con los hombres de poca fe
no intercambio los calzones con nadie
en cambio asumo la desvergüenza
de una desnudez colectiva
en una casa de playa
o en una playa a secas
Yo no escribo para nadie
aunque intente escapar
y evite sacarte al baile
Tus malabares y piruetas
siempre exigen un aplauso cerrado
es decir, una palabra
Yo no me complico la vida
omitiendo adverbios y conjunciones
Patino por la hoja
y tapo los surcos amargos
con la sangre de mis amigos
Yo no hago el amor
lo desarmo
por el puro gusto de volverlo a armar
una y otra vez
hasta tener sexo
para olvidarme del amor
y de todos ustedes.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Alejandra Pizarnik
Joe, macht die Musik von damals nacht... (*)
La que murió de su vestido azul está cantando.
Canta imbuida de muerte al sol de su ebriedad.
Adentro de su canción hay un vestido azul, hay
un caballo blanco, hay un corazón verde tatuado
con los ecos de los latidos de su corazón
muerto.
Expuesta a todas las perdiciones, ella
canta junto a una niña extraviada que es ella:
su amuleto de la buena suerte. Y a pesar de la
niebla verde en los labios y del frío gris en los
ojos, su voz corroe la distancia que se abre entre
la sed y la mano que busca el vaso.
Ella canta.
A Olga Orozco
In Extracción de la piedra de locura, 1968.
(*) “Joe faz que a música da noite passada...”, verso do poema de Bertolt Brecht “Bilbao Song”, musicado por Kurt Weill.
* * *
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Cantora noturna
Aquela que morreu por causa do seu vestido azul está cantando.
Canta impregnada de morte ao sol da sua embriaguez.
Dentro de sua canção há um vestido azul, há
um cavalo branco, há um coração verde tatuado
com os ecos das batidas de seu coração
morto.
Exposta a todas as perdições, ela
canta junto à menina extraviada que é ela mesma:
seu amuleto de boa sorte. E apesar da
névoa verde nos lábios e do frio cinza nos
olhos, sua voz corrói a distância que se abre entre
a sede e a mão que busca o copo.
Ela canta.
Canta imbuida de muerte al sol de su ebriedad.
Adentro de su canción hay un vestido azul, hay
un caballo blanco, hay un corazón verde tatuado
con los ecos de los latidos de su corazón
muerto.
Expuesta a todas las perdiciones, ella
canta junto a una niña extraviada que es ella:
su amuleto de la buena suerte. Y a pesar de la
niebla verde en los labios y del frío gris en los
ojos, su voz corroe la distancia que se abre entre
la sed y la mano que busca el vaso.
Ella canta.
Tradução de José Antônio Cavalcanti
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
César Vallejo
César Vallejo jogou as letras do idioma de Pizarro em vaso cerimonial, temperou-as com ervas e preces quíchuas. O que ficou no fundo, sacudiu com as mãos ossudas até obter o movimento rotatório construído com papel e barro - o círculo milenar que guarda lhama, condor, puma e poeta. Muito além dos Andes paira o mistério da passagem ritualística do micro ao macro, viagem clandestina do ponto de sagração e de sangramento à esfera instável do planeta e de todo o universo. Meu exercício de tradução é mais um gesto de devoção.
Huaco
Yo soy el coraquenque ciego
que mira por la lente de una llaga,
y que atado está al Globo,
como a un huaco estupendo que girara.
y que atado está al Globo,
como a un huaco estupendo que girara.
Yo soy el llama, a quien tan sólo alcanza
la necedad hostil a trasquilar
volutas de clarín,
volutas de clarín brillantes de asco
y bronceadas de un viejo yaraví.
la necedad hostil a trasquilar
volutas de clarín,
volutas de clarín brillantes de asco
y bronceadas de un viejo yaraví.
Soy el pichón de cóndor desplumado
por latino arcabuz;
y a flor de humanidad floto en los Andes,
como un perenne Lázaro de luz.
por latino arcabuz;
y a flor de humanidad floto en los Andes,
como un perenne Lázaro de luz.
Yo soy la gracia incaica que se roe
en áureos coricanchas bautizados
de fosfatos de error y de cicuta.
A veces en mis piedras se encabritan
los nervios rotos de un extinto puma.
en áureos coricanchas bautizados
de fosfatos de error y de cicuta.
A veces en mis piedras se encabritan
los nervios rotos de un extinto puma.
Un fermento de Sol;
levadura de sombra y corazón!
levadura de sombra y corazón!
Huaco
Eu sou o coraquenque cego
que olha pela lente de uma chaga,
atado ao Globo
como a um huaco estupendo que giragira.
Eu sou o lhama, a quem tão só alcança
a necedade hostil de tosquiar
ornatos de clarim,
ornatos de clarins brilhantes de asco
e bronzeados de velho yaraví.
Sou filho de condor desplumado
por latino arcabuz;
e à flor da humanidade flutuo sobre os Andes
como eterno Lázaro de luz.
Eu sou a graça incaica que se rói
em áureos coricanchas batizados
de fosfato de erro e cicuta.
Às vezes em minhas pedras se encabritam
os nervos exaustos de um extinto puma.
Um fermento de Sol;
levedura de sombra e coração!
que olha pela lente de uma chaga,
atado ao Globo
como a um huaco estupendo que giragira.
Eu sou o lhama, a quem tão só alcança
a necedade hostil de tosquiar
ornatos de clarim,
ornatos de clarins brilhantes de asco
e bronzeados de velho yaraví.
Sou filho de condor desplumado
por latino arcabuz;
e à flor da humanidade flutuo sobre os Andes
como eterno Lázaro de luz.
Eu sou a graça incaica que se rói
em áureos coricanchas batizados
de fosfato de erro e cicuta.
Às vezes em minhas pedras se encabritam
os nervos exaustos de um extinto puma.
Um fermento de Sol;
levedura de sombra e coração!
Notas do tradutor
Huaco, cerâmica pré-colombiana. Corequenque, ave sagrada dos incas que usavam as suas plumas na confecção de coroas destinadas aos soberanos. Yaraví, canção que funde elementos de origem indígena e hispânica. Coricancha, grande Templo do Sol, em Cuzco; sobre as suas ruínas os espanhóis construíram a igreja de Santo Domingo.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Frank O’Hara
Desde que o atropelei em 1966 com meu velho jipe em Fire Island, Frank O’Hara, apesar de morto, nunca mais teve sossego. De vez em quando volto a maltratá-lo. Aqui a prova de mais um crime - a tradução que fiz deste poema.
As Planned
After the first glass of vodka
you can accept just about anything
of life even your own mysteriousness
you think it is nice that a box
of matches is purple and brown and is called
La Petite and comes from Sweden
for they are words that you know and that
is all you know words not their feelings
or what they mean and you write because
you know them not because you understand them
because you don't you are stupid and lazy
and will never be great but you do
what you know because what else is there?
In The Collected Poems of Frank O'Hara – University of California Press, 1995, p. 382.
****
Como planejado
Depois do primeiro copo de vodca
você pode aceitar da vida
quase tudo, até o próprio mistério
pense como é lindo que uma caixa
de fósforos seja roxa e marrom, chame-se
La Petite e tenha vindo da Suécia
estas são palavras que você conhece e isso é tudo
o que você sabe, as palavras não os seus sentimentos
nem o que significam e escreve porque
as conhece embora não as entenda
porque não é estúpido e indolente
e nunca será um grande mas faz
o que sabe porque o que mais poderia fazer?
Desde que o atropelei em 1966 com meu velho jipe em Fire Island, Frank O’Hara, apesar de morto, nunca mais teve sossego. De vez em quando volto a maltratá-lo. Aqui a prova de mais um crime - a tradução que fiz deste poema.
you can accept just about anything
of life even your own mysteriousness
you think it is nice that a box
of matches is purple and brown and is called
La Petite and comes from Sweden
for they are words that you know and that
is all you know words not their feelings
or what they mean and you write because
you know them not because you understand them
because you don't you are stupid and lazy
and will never be great but you do
what you know because what else is there?
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Robert Creeley
Não tenho pretensões de vir a ser tradutor profissional, como, no entanto, as traduções servem para oxigenar palavras, significados e imaginação de qualquer poeta, tomei Robert Creeley como alvo.
After Lorca
For M. Marti
The Church is a business, and the rich
are the business men.When they pull on the bells, the
poor come pilling in and when a poor man dies, he has a wooden
cross,
and they rush through
the ceremony.
But when a rich man dies, they
drag out the Sacrament
and a golden Cross, and go doucement, doucement
to the cemetery.
And the poor love it
and think it's crazy.
Depois de Lorca
para M. Marti
A Igreja é um negócio, e os ricos
são homens de negócios.
Quando os sinos batem, os
pobres se aglomeram na nave e quando morre um pobre, ganha uma cruz
de madeira,
e aceleram a cerimônia.
Mas quando um rico morre
suprimem o Sacramento
e a Cruz dourada, e caminham doucement, doucement
para o cemitério.
E os pobres adoram
e acham uma loucura.
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Anne Sexton
The Firebombers
We are America.
We are the coffin fillers.
We are the grocers of death.
We pack them in crates like cauliflowers.
The bomb opens like a shoebox.
And the child?
The child is certainly not yawning.
And the woman?
The woman is bathing her heart.
It has been torn out of her
and as a last act
she is rinsing it off in the river.
This is the death market.
America,
where are your credentials?
***
Tradução de José Antônio Cavalcanti
Os bombardeiros
Nós somos a América.
Somos enchedores de caixões.
Nós somos mascates da morte.
Arrumamos cadáveres como couves-flores em caixotes.
A bomba se abre qual caixa de sapatos.
E a criança?
A criança certamente não boceja.
E a mulher?
A mulher lava o seu coração.
Foi-lhe arrancado vivo
e agora, num último ato,
enxágua-o no rio.
Este é o mercado da morte.
América,
onde estão as tuas credenciais?
The Firebombers
e agora, num último ato,
enxágua-o no rio.
onde estão as tuas credenciais?
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>
Giuseppe Ungaretti
Vagabundo
Em nenhuma
parte
da terra
posso
me acomodar
A cada
novo
clima
que encontro
descubro
abatido
que
outrora
a ele já havia
me acostumado
E me separo sempre
estrangeiro
Nascendo
de volta em épocas muito
vividas
Gozar um só
minuto da vida
inicial
Busco
um país inocente
* * *
Girovago
In nessuna
parte
di terra
mi posso
accasare
A ogni
nuevo
clima
che incontro
mi trovo
languente
che
una volta
già gli ero statu
assuefatto
E me ne stacco sempre
straniero
Nascendo
tornato da epoche troppo
vissute
Godere un solo
minuto di vita
iniziale
Cerco un paese
inocente
(Campo di Mailly, maggio, 1918)
<><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><><>,,
⫷⫸⫷⫸⫷⫸
Vagabundo
Em nenhuma
parte
da terra
posso
me acomodar
A cada
novo
clima
que encontro
descubro
abatido
que
outrora
a ele já havia
me acostumado
E me separo sempre
estrangeiro
Nascendo
de volta em épocas muito
vividas
Gozar um só
minuto da vida
inicial
Busco
um país inocente
* * *
Girovago
In nessuna
parte
di terra
mi posso
accasare
A ogni
nuevo
clima
che incontro
mi trovo
languente
che
una volta
già gli ero statu
assuefatto
E me ne stacco sempre
straniero
Nascendo
tornato da epoche troppo
vissute
Godere un solo
minuto di vita
iniziale
Cerco un paese
inocente
(Campo di Mailly, maggio, 1918)
(Campo di Mailly, maggio, 1918)
⫷⫸⫷⫸⫷⫸
Margaret Atwood
Poema de Margaret Atwood vítima de minhas
experiências masturbotradutórias.
Habitation
Marriage is not
a house, or even a tent
it is before that, and colder:
the edge of the forest, the edge
of the desert
the unpainted stairs
at the back, where we squat
outdoors, eating popcorn
the edge of the receding glacier
where painfully and with wonder
at having survived
this far
we are learning to make fire.
In Selected Poems (1965-1975). Mariner Books, Boston, 2007.
* * *
Habitação
O matrimônio não é
uma casa, ou mesmo uma tenda
é antes disso, e mais frio,
o limite da floresta, o limite
do deserto
a escada sem pintura
da entrada dos fundos, onde
ficávamos agachados, comendo pipoca
o limite de geleira em recuo
onde com sofrimento e com a surpresa
de ter chegado
tão longe
estamos aprendendo a fazer o fogo.
Poema de Margaret Atwood vítima de minhas
experiências masturbotradutórias.
Habitation
Comentários
Postar um comentário