Haroldo de Campos (1929-2003)





A obra de Haroldo de Campos (1929-2003) é impressionante: na tradução, na pesquisa, na invenção, na crítica, na experimentação e na recriação da tradição poética. Sua presença é extraordinariamente forte na poesia brasileira contemporânea. Inquietação de outra natureza, mas também seminal, foi a que marcou a trajetória de Hélio Oiticica. Espero que as imagens do criador dos Parangolés e as palavras de um mestre que ultrapassou a fronteira do concretismo possam dialogar e dar uma diminuta mostra da vitalidade da obra dos dois artistas hoje e sempre.














O instante
o instante
é pluma

seu holograma
radia estável

como quem olha pelo cristal
do tempo

feixe fixo
de luz

(já não se vê se o olho deixa sua seteira)

prisma

o sol
chove
de um teto
zenital

elipse: um estilo de persianas


In: CAMPOS, Haroldo de. Signatia quasi coelum = signância quase céu. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 35. (Signos, 7).





A educação dos cinco sentidos

1.    chatoboys (oswald)
       fervilhando
       como piolhos

       peirce (proust?) considerando
       uma cor - violeta 
       ou um odor -
       repolho
       podre

       odre - considere
       esta palavra: vinhos,
       horácio, odes
       (princípio do
       poema -
       ogre)

2.    o purgatório é isso:
       entre / inter-
       considere
       o que vai da palavra stella
       à palavra styx

3.    (marx: a educação dos cinco
       sentidos

       o táctil o dançável
       o difícil
       de se ler / legível
       visibilia / invisibilia
       o ouvível / o inaudito
       a mão
       o olho
       a escuta
       o pé
       o nervo
       o tendão)

4.    o ar
       lapidado: veja
       como se junta esta palavra
       a esta outra

       linguagem: minha
       consciência (um paralelograma
       de forças não uma simples
       equação a uma
       única 
       incógnita): esta
       linguagem se faz de ar
       e corda vocal
       a mão que intrinca o fio
       da treliça / o fôlego
       que junta esta àquela
       voz: o ponto
       de torção
       trabalho diáfano mas que
       se faz (perfaz) com os cinco
       sentidos

       com a cor o odor o repolho os piolhos

5.    trabalho tão raro como
       girar um pião na
       unha

       mas que deixa seu rastro
       mínimo (não prescindível)
       na divisão (cisão) comum
       do suor

       rastro latejante / pulso
       dos sentidos que se (pre)formarm:
       im-prescindível (se mìnimo)

       o cinco do sol no olho
       - claritas: jato epifânico!
       alguns registros modulações
       papel granulado ou liso uma dobra
       certa um corte
       seguro um tiro
       na mosca

       num relâmpago o tigre atrás da corça
       (sousândrade)

       o salto tigrino

6.    o que acresce
       resta
       (nos sentidos)

       ainda que mínimo
       (húbris do mínimo
       que resta)
      

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