Paulo Henriques Britto
Mínima
poética
Poesia como forma de
dizer
o que de outras formas é omitido—
não de calar o que se vive e vê
e sente por vergonha do sentido.
Poesia como discurso completo,
ao mesmo tempo trama de fonemas,
artesanato de éter, e projeto
sobre a coisa que transborda o poema
(se bem que dele próprio projetada).
Palavra como lâmina só gume
que pelo que recorta é recortada,
cinzel de mármore, obra e tapume:
a fala —esquiva, oblíqua, angulosa-
do que resiste à retidão da prosa.
o que de outras formas é omitido—
não de calar o que se vive e vê
e sente por vergonha do sentido.
Poesia como discurso completo,
ao mesmo tempo trama de fonemas,
artesanato de éter, e projeto
sobre a coisa que transborda o poema
(se bem que dele próprio projetada).
Palavra como lâmina só gume
que pelo que recorta é recortada,
cinzel de mármore, obra e tapume:
a fala —esquiva, oblíqua, angulosa-
do que resiste à retidão da prosa.
In
Mínima poética, 1989.
Mínima
poética - IV
Dizer não tudo, que isso não se faz,
nem nada, o que seria impossível;
dizer apenas tudo que é demais
pra se calar e menos que indizível.
Dizer apenas o que não dizer
seria uma espécie de mentira:
falar, não por falar, mas pra viver,
falar (ou escrever) como quem respira.
Dizer apenas o que não repita
a textura do mundo esvaziado:
escrever, sim, mas escrever com tinta;
pintar, mas não como aquele que pinta
de branco o muro que já foi caiado;
escrever, sim, mas como quem grafita.
(Mínima lírica, 1989)
Dizer não tudo, que isso não se faz,
nem nada, o que seria impossível;
dizer apenas tudo que é demais
pra se calar e menos que indizível.
Dizer apenas o que não dizer
seria uma espécie de mentira:
falar, não por falar, mas pra viver,
falar (ou escrever) como quem respira.
Dizer apenas o que não repita
a textura do mundo esvaziado:
escrever, sim, mas escrever com tinta;
pintar, mas não como aquele que pinta
de branco o muro que já foi caiado;
escrever, sim, mas como quem grafita.
(Mínima lírica, 1989)
Ossos
do ofício
O que se pensa não é
o que se canta.
Difícil sustentar um raciocínio
com a rima atravessada na garganta.
Difícil sustentar um raciocínio
com a rima atravessada na garganta.
Mesmo o maior esforço
não adianta:
da sensação à ideia há um declínio,
e o que se pensa não é o que se canta.
da sensação à ideia há um declínio,
e o que se pensa não é o que se canta.
Difícil, sim. E é por
isso que encanta.
Há que sentir – e aí está o fascínio –
com a rima atravessada na garganta.
Há que sentir – e aí está o fascínio –
com a rima atravessada na garganta.
Apenas isso justifica
tanta
dedicação, tanto autodomínio,
se o que se pensa não e o que se canta,
dedicação, tanto autodomínio,
se o que se pensa não e o que se canta,
mesmo porque
(constatação que espanta
qualquer espírito mais apolíneo)
a rima atravessada na garganta
qualquer espírito mais apolíneo)
a rima atravessada na garganta
é o trambolho que
menos se agiganta
nesse percurso nada retilíneo,
ao fim do qual se pensa o que se canta,
nesse percurso nada retilíneo,
ao fim do qual se pensa o que se canta,
depois que a rima
atravessa a garganta.
In Tarde, 2007.
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