Marília Garcia
A vencedora do prêmio Oceanos, edição 2018, foi Marília
Garcia, com o livro Câmera lenta, do qual reproduzo o poema abaixo.
antes
do encontro
procurar
uma escada de madeira
dando
para o abismo
é uma ação que só
pode acontecer nesta língua
estranha e numa
cidade cortada por um rio
que fique no meio dos
dois
(quando um precisa ir
embora
para sempre)
mas um dia ela chega
com a pergunta:
— o que vem à sua cabeça
quando
digo a palavra
amor?
um dia desce no meio
do dia
e vê. e um dia vê a
peça lilás sobre a quina da mesa
quando volta. ele diz
saltar. saltar para fora.
e atravessa na
esquina
procurando a escada.
depois diz que quer saltar
para fora desta
canção.
mas um dia chega com
a pergunta:
— o que vem à sua cabeça quando
digo
a palavra amor?
e ela responde
que amor em
japonês
se diz /ai/.
e, de repente, um
branco.
as linhas se tornam
cada vez mais
quebradiças. um banco
parado no meio da cena,
um quadrado iluminado
e a frase mais longa
que ele me disse nos
últimos
seis meses.
o que significa um
cachecol vermelho
pinicando sozinho?
uma abelha, pensa,
mas o cachecol pinicando,
voando como uma
abelha, talvez um inseto
estridente, incidente
para ouvir quando ele
chegar e vir.
agora sobrou apenas a
estática
tremendo e você a
leva de volta até o barco:
— a estática?, pergunta, você lembra
daquela
vez? e
ela fica parada na chuva
com o colete
salva-vidas esperando
alguma coisa
acontecer.
[aqui o telefone
vibra na bolsa e um
parêntese
para dizer que não sabe onde está mas é longe
não
sabe onde está mas é frio
não
sabe onde está mas é quase.
ao ouvir a voz,
parece de verdade,
e então ele levanta e
me diz algo
sobre o fim
ou sobre o sim
e toca na tela uma
imagem
do filme]
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