Denise Levertov
Os mudos
Esses suspiros que os homens
soltam quando passam por uma mulher na rua
ou nas escadas do metrô
a fim de lhe dizer que é uma fêmea
pois assim sentem suas carnes,
são talvez espécie de som,
canção muito feia, feia mesmo, sussurrada
por um pássaro de língua serrada
mas feita para música?
Ou são grunhidos
de surdos-mudos encurralados numa sala que
aos poucos se enche de fumaça?
Talvez as duas coisas.
Tais homens parecem que
só sabem soltar tais sussurros,
no entanto uma mulher, apesar de si mesma,
sabe que lhes chama atenção:
se ela não tivesse graça
passariam por ela em silêncio:
logo, não é só porque ela seja
um buraco quente. É uma palavra
em língua sofrida, longe de ser
primitiva nem primária;
língua prenhe, doentia, senilizada,
em decrepitude. Ela deseja
desfazer-se do sussurro, repug-
nada, mas não consegue,
o sussurro prossegue zurrando em seus ouvidos,
muda o ritmo de seus passos,
os cartazes rasgados em corredores que ecoam,
verbalizam-no, ele
se estremece e range à chegada do trem.
O pulso dela sombriamente
acelerava-se, mas os vagões
param estridentes
enquanto sua compreensão
prossegue transladando
“Vida após vida após vida prossegue
sem poesia,
sem decência,
sem amor”.
Tradução de Ary Gonzalez Galvão. In: o fingidor. Disponível em:< http://ofingidor2008.blogspot.com.br/2010/02/poesia-em-traducao_13.html>.
The mutes
Those groans men use
passing a woman on the street
or on the steps of the subway
to tell her she is a female
and their flesh knows it,
are they a sort of tune,
an ugly enough song, sung
by a bird with a slit tongue
but meant for music?
Or are they the muffled roaring
of deafmutes trapped in a building that is
slowly filling with smoke?
Perhaps both.
Such men most often
look as if groan were all they could do,
yet a woman, in spite of herself,
knows it’s a tribute:
if she were lacking all grace
they’d pass her in silence:
so it’s not only to say she’s
a warm hole. It’s a word
in grief-language, nothing to do with
primitive, not an ur-language;
language stricken, sickened, cast down
in decrepitude. She wants to
throw the tribute away, dis-
gusted, and can’t,
it goes on buzzing in her ear,
it changes the pace of her walk,
the torn posters in echoing corridors
spell it out, it
quakes and gnashes as the train comes in.
Her pulse sullenly
had picked up speed,
but the cars slow down and
jar to a stop while her understanding
keeps on translating:
‘Life after life after life goes by
without poetry,
without seemliness,
without love.'
The mutes. In: Academy of American Poets. Disponível em:< https://www.poets.org/poetsorg/poem/mutes>.
Esses suspiros que os homens
soltam quando passam por uma mulher na rua
ou nas escadas do metrô
a fim de lhe dizer que é uma fêmea
pois assim sentem suas carnes,
são talvez espécie de som,
canção muito feia, feia mesmo, sussurrada
por um pássaro de língua serrada
mas feita para música?
Ou são grunhidos
de surdos-mudos encurralados numa sala que
aos poucos se enche de fumaça?
Talvez as duas coisas.
Tais homens parecem que
só sabem soltar tais sussurros,
no entanto uma mulher, apesar de si mesma,
sabe que lhes chama atenção:
se ela não tivesse graça
passariam por ela em silêncio:
logo, não é só porque ela seja
um buraco quente. É uma palavra
em língua sofrida, longe de ser
primitiva nem primária;
língua prenhe, doentia, senilizada,
em decrepitude. Ela deseja
desfazer-se do sussurro, repug-
nada, mas não consegue,
o sussurro prossegue zurrando em seus ouvidos,
muda o ritmo de seus passos,
os cartazes rasgados em corredores que ecoam,
verbalizam-no, ele
se estremece e range à chegada do trem.
O pulso dela sombriamente
acelerava-se, mas os vagões
param estridentes
enquanto sua compreensão
prossegue transladando
“Vida após vida após vida prossegue
sem poesia,
sem decência,
sem amor”.
Tradução de Ary Gonzalez Galvão. In: o fingidor. Disponível em:< http://ofingidor2008.blogspot.com.br/2010/02/poesia-em-traducao_13.html>.
The mutes
Those groans men use
passing a woman on the street
or on the steps of the subway
to tell her she is a female
and their flesh knows it,
are they a sort of tune,
an ugly enough song, sung
by a bird with a slit tongue
but meant for music?
Or are they the muffled roaring
of deafmutes trapped in a building that is
slowly filling with smoke?
Perhaps both.
Such men most often
look as if groan were all they could do,
yet a woman, in spite of herself,
knows it’s a tribute:
if she were lacking all grace
they’d pass her in silence:
so it’s not only to say she’s
a warm hole. It’s a word
in grief-language, nothing to do with
primitive, not an ur-language;
language stricken, sickened, cast down
in decrepitude. She wants to
throw the tribute away, dis-
gusted, and can’t,
it goes on buzzing in her ear,
it changes the pace of her walk,
the torn posters in echoing corridors
spell it out, it
quakes and gnashes as the train comes in.
Her pulse sullenly
had picked up speed,
but the cars slow down and
jar to a stop while her understanding
keeps on translating:
‘Life after life after life goes by
without poetry,
without seemliness,
without love.'
The mutes. In: Academy of American Poets. Disponível em:< https://www.poets.org/poetsorg/poem/mutes>.
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