Entrevista com José Antônio Cavalcanti





Aos 68 anos, eis a minha primeira entrevista. Claro que não tenho nada a dizer, mas sempre escapa alguma coisa.

“Poesia é o outro nome do impossível” — entrevista com José Antônio Cavalcanti

106ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

O que é poesia para você?

Poesia é o outro nome do impossível. Para mim, no entanto, não há tentação maior do que o inalcançável. Lá vivem todos os poemas vislumbrados no fluxo da existência, cujo brilho simultaneamente nos toma e desaparece como um fantasma.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Não sei se sou eu quem escreve ou se é o poema que se faz. Digo isso porque não me conheço muito bem. O pensamento vem depois, ou seja, ele é satélite do texto, só faz sentido se orbitar em torno das palavras que determinam o seu movimento. Desse modo, o leitor, no momento inicial, é pura ausência.

Não consigo entender uma escrita que não afete o criador. Os poemas são a carne silábica do poeta, sua respiração terna ou intensa, a pedra na mão contra a polícia, seu membro inflado de desejo. No texto segredado no fio das palavras vão amores, sonhos, perdas, a vida inteira e suas lacunas.

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe
tocam nesse momento?

Meus poetas mais próximos vivem em décadas pretéritas. Dos vivos conheço poucos. Aprecio muito a poesia de Alberto Lins Caldas, Alberto Pucheu, Jussara Salazar, Nydia Bonetti, Josely Vianna Baptista (adoro), Cláudia Roquette-Pinto, Bruna Mitrano e da extraordinária Mar Becker.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte?
Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

A poesia vai muito bem, obrigado. Não precisa de redes sociais. Apesar disso, nas três empresas que controlam as redes podemos pescar muita coisa útil.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil
(do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma
maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista,
LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso
reverbera na sua criação literária?

Poesia não cabe em redoma. Meu primeiro trabalho de poesia foi um varal no meio do Campo de São Bento, em Niterói, em 1976. As pessoas se assustavam, se solidarizavam comigo mas imploravam para que eu recolhesse os poemas antes que fosse tarde demais. Era a minha artilharia contra a ditadura. À época também fazia folhas volantes de poemas e vendia folhetos mimeografados. O próprio do poema, a meu juízo, é ser impróprio ao fascismo Escrevi certa vez: “Não sou poeta pequeno, / grande / ou mais ou menos./ / Não sou gauche / nem chocho. / Sou poeta de vermelho / pra roxo”.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma
maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

No meu caso, não há um caminho. Em raríssimas ocasiões, o poema veio pronto. Já acordei com um poema na cabeça e tive de correr a fim de registrá-lo. Às vezes me lanço desafios, semelham a exercícios. Em outras ocasiões, os versos se organizam com facilidade a partir de lembranças, sentimentos, olhares, pequenas notícias, versos alheios etc. Particularmente gosto daqueles com os quais me envolvi durante dias, semanas, meses. Sempre com a sensação de que perdi os melhores.

Cidade submersa 

O seu livro, Cidade submersa, como ele surgiu?

Surgiu de um sentimento de urgência. Eram três projetos distintos. A partir do momento em que fiz alguns transfusões de sangue entre a primeira parte, Cidade submersa, e a segunda, Suburbanners, percebi que eram extensões do mesmo território poético. A última parte, Haicais em falso, entrou de intrometida.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

“Tudo vibra, tudo brilha em dobro”. Traz o Platão de Fedro à memória: “tudo na alma é ebulição e efervescência”.

Como você conheceu a editora Urutau?

Conheci a Urutau no Facebook.

Alguma observação que queira acrescentar?

Quero agradecer o convite para esta entrevista e parabenizar a editora Urutau não só por abrir as portas ao meu trabalho (este já é o meu terceiro livro), mas também pelo belíssimo e insano trabalho de publicar tantos livros de poesia de alta qualidade.

José Antônio Cavalcanti

é poeta, contista, ensaísta e professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Ciência da Literatura pela UFRJ com dissertação sobre Cacaso. Doutor na mesma área e pela mesma instituição com tese sobre Hilda Hilst. Autor de Anarquipélago (poemas), Ibis Libris, 2013; Palavra desmedida: a prosa ficcional de Hilda Hilst, Annablume, 2014; Fora de forma & outros foras (contos), Ibis Libris, 2015; Movimento Suspeito (poemas), Urutau, 2016. Participou da antologia 29 de abril: o verso da violência, Patuá, 2015. Vários textos publicados em Mallarmargens — Revista de Poesia e Arte Contemporânea, da qual é mallarmago, além de colaborações diversas em jornais, revistas e sites como as revistas Zunái, Germina e Eutomia, o Caderno Ideias do Jornal do Brasil, o Periódico de Poesía (MX), o portal Cronópios e outros.


 

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