Tadeusz Różewicz, "Conto sobre as mulheres velhas"

 

Imagem: Diane Arbus

Tadeusz Różewicz nasceu em Radomsko, Polônia, em 1921. Escreveu prosa, teatro e poesia. Combateu a Alemanha nazi entre 1943 e 1944. No final da guerra, estudou na Faculdade de História de Arte, em Cracóvia. Segundo Fernando Presa González, seu tradutor do polaco para castelhano, Różewicz abriu caminho a “uma poesia quase desprovida de artifícios estéticos, carente de rima, de pontuação, muito pouco dada à metáfora e muito a favor de uma linguagem direta e da imagem real. (...) Marcado pela guerra, o ceticismo de Różewicz alcança uma cota tal que chega a afastar-se de valores muito enraizados na sociedade polaca como a religiosidade e o patriotismo. (...) A mentira abarca tudo, inclusive ele mesmo, que se sabe transformado, filho da guerra e do ódio, produto de um tempo sob o signo da ira e da morte”.

 

 

Conto sobre as mulheres velhas

 

Gosto das mulheres velhas

as mulheres feias

as más mulheres

 

são o sal da terra

não sentem aversão

pelo lixo humano

 

conhecem a outra face

de uma medalha

do amor

e da fé

 

vêm e vão

os ditadores endoidecem

têm as mãos manchadas

com sangue de seres humanos

 

as mulheres velhas levantam-se pela madrugada

compram carne fruta pão

limpam cozinham

permanecem na rua com os braços

cruzados calam

 

as mulheres velhas

são imortais

 

Hamlet agita-se na rede

Fausto faz um papel vil e ridículo

Raskólnikov golpeia com um machado

 

as mulheres velhas são

indestrutíveis

sorriem com indulgência

 

deus morre

as mulheres velhas levantam-se cada dia

pela madrugada compram pão vinho peixe

morre a civilização

as mulheres velhas levantam-se pela madrugada

abrem as janelas

retiram a sujidade

morre um homem

as mulheres velhas

levam os restos

enterram os mortos

plantam flores

nas tumbas

 

gosto de mulheres velhas

de mulheres feias

de más mulheres

 

creem na vida eterna

são o sal da terra

o córtex de uma árvore

são os olhos submissos dos animais

 

veem na sua justa medida

a cobardia e o heroísmo

a grandeza e a insignificância

como as exigências

de um dia quotidiano

seus filhos descobrem a América

caem nas Termópilas

morrem nas cruzes

conquistam o cosmos

 

as mulheres velhas saem de madrugada

para a cidade compram leite pão

carne condimentam a sopa

abrem as janelas

só os idiotas se riem

das mulheres velhas

das mulheres feias

das más mulheres

 

porque são mulheres belas

mulheres boas

mulheres velhas

são um ovo

são um segredo

sem segredos

são uma bola que roda

 

as mulheres velhas

são múmias

dos gatos sagrados

são pequenos

murchos

secos

frutos mananciais

ou gordurosos

budas ovais

 

quando morrem

brota do olho

uma lágrima

que se une na boca

com o sorriso

de uma mulher jovem

 

1963

 

Tradução de Anna Kuśmierczyk e João Ferrão

 

Imagem: Diane Arbus

 

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