Julio Cortázar
Julio
Cortázar e as vírgulas, quinta aula, “Musicalidade e humor na literatura”, do
livro Aulas de literatura: Berkeley,
1980.
“[...]
toda vez que recebo provas tipográficas de um livro de contos meu, há sempre na
editora esse senhor que se chama “O corretor de estilo” [ou copidesque], e a
primeira coisa que faz é pôr-me vírgulas por todos os lados. Me lembro de que
no último livro de contos que se imprimiu em Madri (e em outro que me havia
chegado de Buenos Aires, mas o de Madri bateu o recorde) em uma das páginas
tinham me acrescentado trinta e sete vírgulas, em uma só página!, o que
mostrava que o corretor de estilo tinha perfeita razão de um ponto de vista
gramatical e sintático: as vírgulas separavam, modulavam as frases para que o
que se estava dizendo passasse sem nenhum inconveniente; mas eu não queria que
passasse assim, necessitava que passasse de outra maneira, que com outro ritmo
e outra cadência se convertesse em outra coisa que, sendo a mesma, viesse com
essa atmosfera, com essa espécie de luzes exterior ou interior, que pode dar o
musical tal como o entendo dentro da prosa. Tive de devolver essa página de
provas atirando setas para todos os lados e suprimindo trinta e sete vírgulas,
o que converteu a prova em algo como esses pictogramas nos quais os índios se
envolvem numa batalha e há flechas por todos os lados. Isso sem dúvida gera
surpresa nos profissionais que sabem perfeitamente onde há que colocar uma
vírgula e onde é ainda melhor um ponto e vírgula que uma vírgula. Acontece que
minha maneira de colocá-las é diferente, não por ignorar onde deveriam estar em
certo tipo de prosa, mas porque a supressão dessa vírgula, como muitas outras mudanças
internas, é – e isso é difícil de transmitir – minha obediência a uma espécie
de pulsação, a uma espécie de batida a que há enquanto escrevo e que faz com
que as frases me cheguem dentro de um balanço, dentro de um movimento
absolutamente implacável contra o qual não posso fazer nada: tenho de deixa-lo
sair assim porque é justamente assim que me aproximo do que queria dizer e é a
única maneira em que posso dizê-lo.”
In
CORTÁZAR, Julio. Aulas de literatura:
Berkeley, 1980. 2ª ed. Trad. de Fabiana Camargo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2018, pp. 160-161.
Comentários
Postar um comentário