Visita ao museu

Imagem: Flávio Shiró

 












Visita ao museu


O que guarda o museu
quando as portas se movem
e nós dois somos
a fila quilométrica de erros
com bilhetes falsificados nas mãos?

Mesmo que os ingressos fossem
autênticos
em que galeria nos infiltraríamos?
Em alguma tela de técnica mista
misturaríamos nossos corpos
em colagem de papel, grãos, tecido,
delitos e deleite?

Certamente a segurança do museu
nos remeteria ao porão
para que alguém restaurasse em nós
o fio perdido da esperança.

Sabemos muito bem
que, apesar de tanto esforço,
o público não nos veria nem mortos
sob a camada de cores cegas.
Seríamos apenas informação falsa
colada abaixo das possibilidades da coluna
para negar a olhos em estado de febre
a luz de qualquer palavra exata.
Nossos nomes, repletos de entrega,
reduzidos a referências herméticas.

A fila em que nos multiplicamos
não vai acabar nunca.
por isso foi bom a bilheteira nos avisar
que a vida é um espaço
onde não cabemos inteiros.

Sim, esse lugar comum
— a vida não basta —
sempre nos observa
por câmeras de vigilância.

Disse-nos ainda
que as obras só se mostram
(mesmo assim parcialmente)
àqueles que se repetem na fila
milhares de vezes.

Ao sairmos do museu sem nome
pensamos no que vimos.
Talvez coisa alguma,
talvez a fenda entre o caos
e o logos.
talvez instalações de nossos corpos
fora de catálogo.

Sempre voltamos,
é verdade,
somos previsíveis, limitados e circulares.

Amanhã novos ingressos
na fila interminável.

Ensaiaremos em sonhos recorrentes
os gestos do dia que ainda não nasceu.

Imagem: Flávio Shiró

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